Por CFB em 23/08/2024
A Casa França-Brasil apresenta no dia 24 de agosto de 2024, às 11h, a exposição “Lugar de Passagem”, com mais de trinta obras do artista Hilal Sami Hilal, que ocupa um lugar destacado no circuito de arte. Com curadoria de Marcus de Lontra Costa e Rafael Fortes Peixoto, a mostra é centrada no site specific (que significa “feito especialmente para um local”) “Artigo 3º” (2003/2024), em cobre vazado, filigranado, técnica que deu notoriedade ao artista capixaba de origem síria. A obra,com 14,5 metros de comprimento por 3,5 metros de altura, atravessará a nave central da Casa França-Brasil, como um delicado muxarabi (treliça típica da arquitetura árabe). Composto por nomes de pessoas, o título do trabalho é uma alusão ao terceiro artigo da Constituição brasileira, de 1988: “Construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”. A ideia dos nomes veio originalmente a partir dos amigos do artista que o presenteavam com roupas de algodão, transformadas por ele em matéria-prima para fazer o papel artesanal. A esses nomes ele foi acrescentando outros. “É uma pele, transparente, e os nomes ficam como signos estéticos, os cidadãos brasileiros”, diz Hilal. A obra é um desdobramento de um trabalho feito em 2003 para a exposição “Sal da Terra”, no Museu Vale, em Vila Velha, Espírito Santo, com curadoria de Paulo Reis (1960-2011).
Para Hilal, o cobre vazado remete à matriz de uma gravura, meio a que o artistaé muito ligado. “Não deixa de ser uma grande matriz de gravura”, observa. Recentemente ele descobriu que seus ancestrais na Síria eram ourives, arte de que derivou a gravura. “Senti uma coisa atávica, que eu herdei sem saber”, comenta.
TRADIÇÃO ORAL, A ARQUITETURA, A LITERATURA
Marcus de Lontra Costa destaca que “as obras de Hilal transitam entre situações aparentemente antagônicas. Elas são simples e complexas. Dialogam com vários saberes, com a tradição oral, a arquitetura, a literatura, com o resgate de memórias quase esquecidas e com a coragem e a ousadia do contemporâneo. O território é fundamental na estratégia artística de Hilal, e a Casa França-Brasil, nesta mostra ‘Lugar de passagem’, torna-se o cenário que encanta e provoca o espectador com obras e instalações que dão à arte o seu sentido maior”.
O conto “A Terceira Margem do Rio”, escrito por Guimarães Rosa (1908-1967) em 1962, em que o pai faz uma escolha, é marcante para Hilal Sami Hilal. “O lugar de passagem é também o lugar da arte, em que de certa forma se escolhe abandonar várias coisas. É um lugar da vida”, afirma o artista.
SHERAZADE, SÉRIE ALEPO E ATLAS
Logo na entrada, o público encontrará a instalação “Sherazade” (2007/2024), disposta no chão, uma sequência contínua de livros interligados por suas páginas, como nas histórias narradas em “Mil e uma noites”. A obra compreende 80 resmas de papel, ou seja, 80 mil páginas – com o peso estimado em 1,2 tonelada – conectadas entre si pelas capas com 33 cm de altura, em um percurso sinuoso que ocupará uma área de cem metros quadrados.
A ideia do trabalho surgiu a partir de um convite feito a Hilal Sami Hilal pela Escola Lacaniana de Psicanálise de Vitória, interessada em conhecer o processo de trabalho do artista, e sua articulação com o inconsciente. Leigo no assunto, Hilal falou sobre sua produção, e os vazios existentes nas suas obras em cobre ou papel chamaram a atenção dos psicanalistas, que o convidaram a participação de pesquisas semanais, nomeadas pelo termo cartel, criado por Jacques Lacan (1901-1981), psicanalista francês. Na dinâmica dos estudos, cada citação de Lacan derivava em outros livros, em uma infindável bibliografia. Fascinado com isso, Hilal imaginou um livro que se emendava em outro em uma série infindável. Imediatamente passou a buscar uma forma de realizar esta estrutura. “Parece que é um livro único”, comenta ele, dizendo que associa sua forma a obras de Niemeyer (1907-2012) e ao movimento do mar. São muitas maneiras de o público perceber o trabalho, que pode lembrar dunas de areia, ou a de livros interligados em nossa memória.
A ligação de Hilal com a literatura está em três outros trabalhos: o livro “Atlas” (2015), em papel feito à mão e pigmentos, com dois metros de altura e três metros de largura, quando aberto, traz imagens de céus, com várias tonalidades e tipos de nuvens. A obra ficará sobre um suporte, e será manuseada por monitores com luvas, a pedido do público. O livro “Socorro” (2014), tem a palavra “socorro” escrita em várias tipologias e tamanhos, em acetato cortado a laser, com 58cm x 58cm x 3,5cm, e “Seu Sami” (2007) (imagem ao lado), nome do pai do artista, falecido ainda jovem, é em cobre e corrosão, com 63,5 x 48,5 x3,5cm
A série “Alepo”, nome da cidade síria da família do artista, vai ocupar uma das salas laterais da Casa França-Brasil com treze obras, em monotipia em papel feito a mão de fibra de algodão e pigmentos, e quase todas feitas este ano. Uma delas é uma instalação composta por 40 trabalhos, em que estão impressos diretamente no papel objetos e uso pessoal como roupas e sapatos, e utensílios caseiros. Usando pigmentos variados – alguns dourados ou prateados – Hilal conta que começou a fazer as monotipias em papel há quatro anos, usando “os papeis como quadros”. Este ano, comprou uma porta de 2,10 metros de altura, para experimentar fazer uma monotipia sobre ela. Gostou tanto do resultado, achou “tão fiel como uma fotografia”, que saiu coletando roupas dos netos e objetos caseiros, em que “cria cenas” e o público vê nitidamente os objetos decalcados. Em outro grupo de trabalhos da mesma série, ele quebrou azulejos partidos, e usou pigmentos escuros misturados aos papeis, aludindo a escombros. “O que está escuro é onde está o vazio”, explica.
Outras obras feitas este ano são as duas “Sem título” da série “Atlânticos” (imagem abaixo), em que o cobre já sofreu corrosão e oxidação, e ganhou cores esverdeadas. Ambas têm 130 cm de altura por 105cm de largura.
O nascimento do primeiro neto, em 2009, originou no ano seguinte três trabalhos que estão na exposição: as duas obras chamadas “Aviãozinho”, ambos dois metros de comprimento, um deles feito em aço inoxidável e o outro em papel artesanal e pigmentos. A terceira é “Barquinho”, também em papel artesanal e pigmentos, estruturado internamente por uma tela de galinheiro, medindo quatro metros de comprimento. Nele se lê “Ya’Aiuni”, que é em árabe significa “luz de meus olhos” (imagem abaixo).
FRAGMENTOS DE DIVERSOS TEMPOS E ESPAÇOS
Rafael Fortes Peixoto diz que “esta exposição do Hilal na Casa França-Brasil tem um alinhamento que é muito raro acontecer”. “A Casa tem um passado de diferentes ocupações e funções na vida da cidade, memórias que fazem parte da estrutura e que impregnam qualquer exposição que a ocupe. A obra de Hilal, por sua vez, incorpora fragmentos de diversos tempos e espaços, numa narrativa que mistura realidade e imaginação, passado – presente – futuro, e que provoca o espectador a construir suas próprias pontes. Nesse diálogo, nesse embate, as obras e o espaço criam juntas, a despeito da ação da curadoria e do próprio artista, e nos mostram que tudo, e todos, somos lugar de passagem”.
Tania Queiroz, diretora da Casa França-Brasil, observa que “as obras do artista Hilal Sami Hilal, nesse trânsito entre as múltiplas influências do oriente e do ocidente, estabelecem um instigante diálogo com a arquitetura da Casa e sua história”. “Vocacionamos o espaço para o encontro com a produção artística contemporânea, em suas múltiplas formas, estimulando o contato dos visitantes com a diversidade da arte e da cultura, e essa mostra trará uma experiência ímpar nesse sentido”, diz. Ela acrescenta que toda a programação da Casa França-Brasil “reflete a missão institucional de abrigar e incentivar produções culturais com vistas ao acesso à arte e à cultura para todos os públicos, e por isso as exposições são acompanhadas de visitas com os curadores, de programa educativo, de atividades para as famílias aos finais de semana, sempre relacionadas às mostras. Hilal é um artista que possibilita uma reflexão intensa a partir de suas obras, o que proporcionará bons encontros entre a arte e os públicos”.
O patrocínio da exposição é da Enel e doGoverno do Estado do Rio de Janeiro/Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa, através da Lei de Incentivo à Cultura. A organização é da MLC Produções Culturais.
SOBRE HILAL SAMI HILAL
Nascido em 1952, em Vitória, onde vive e trabalha, Hilal Sami Hilal tem origem síria. Nos anos 1970, iniciou seu aprendizado no desenho e na aquarela, para depois se aprofundar em técnicas japonesas de confecção do papel. A partir daí, com uma viagem ao Japão, sua pesquisa se intensificou, resultando numa segunda viagem ao país no final dos anos 1980. Cruzando influências culturais entre o Oriente e o Ocidente, entre a tradição moderna ocidental e a antiga arte islâmica, surgiram suas “rendas”. Confeccionadas com um material exclusivo, criado com celulose retirada de trapos de algodão e misturada com pigmentos, resina, pó de ferro e de alumínio, as rendas privilegiam a força gestual do artista, que assim constrói a tela a partir de linhas que se cruzam, de cores que se revelam na mistura dos materiais e da sensação de ausência gerada pelos espaços em branco. O trabalho, colocado a curta distância da parede, se beneficia das sombras projetadas, criando um rendilhado virtual. Algumas de suas obras são realizadas apenas com resina acrílica, criando o mesmo efeito visual. Seu trabalho integra importantes acervos, como o do Museu Nacional de Belas Artes e o Museu de Arte do Rio (MAR), no Rio de Janeiro, Instituto Itaú Cultural, em São Paulo, Galeria de Arte da UFES, em Vitória, e o Leopold-Hoesch-Museum, em Düren, Alemanha.
Desde sua primeira individual, em 1974, na Galeria de Arte do Teatro Carlos Gomes, em Vitória, Hilal Sami Hilal tem participado de exposições, individuais e coletivas, no Brasil e no exterior, entre elas se destacam as individuais “Sherazade”, curadoria de Marilia Panitz, na Caixa Cultural Brasília, em 2014; “Le territoire du possible”, MDM Gallery, Paris, 2013; “Atlas”, Museu Lasar Segall, São Paulo, 2010; “Seu Sami”, Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro e no SESC Pompéia, São Paulo, em 2008, e no Museu Vale do Rio Doce, Vila Velha, Espírito Santo, em 2007. As coletivas selecionadas são “Modos de Ver o Brasil – 30 anos Itaú Cultural”, Oca, São Paulo, e “Divergentes II”, Clima Art Gallery, Miami, EUA, em 2015; 5º Prêmio CNI/SESI/SENAI Marcoantonio Vilaça, no Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC USP), São Paulo, “Exposição/Prêmio Marcantônio Vilaça”, no Museu de Arte Contemporânea de São Paulo, em 2015; “Há escolas que são gaiolas e há escolas que são asas”, curadoria de Paulo Harkenhoff, no Museu de Arte do Rio, Rio de Janeiro, em 2014.
SERVIÇO: Exposição “Hilal Sami Hilal – Lugar de Passagem”
Abertura: 24 de agosto de 2024, das 15h às 19h
Até 20 de outubro de 2024
Entrada gratuita
Casa França-Brasil
Rua Visconde de Itaboraí, 78 – Centro, Rio de Janeiro.
De terça a domingo, das 10h às 17h.
Horário de atendimento exclusivo para pessoas com deficiência intelectual e mental: quartas feiras de 10h às 11h. Local acessível para cadeirantes.
Telefone: (21) 2216-8506 / 0800 0213527
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