O edifício onde hoje funciona a Casa França-Brasil já foi palco de eventos importantes de nossa História. Encomendado em 1819 por D. João VI à Grandjean de Montigny, arquiteto da Missão Artística Francesa, a obra em si é um documento histórico importante. Trata-se do primeiro registro do estilo neoclássico no Rio de Janeiro, tendência que viria então a popularizar-se, dando à cidade marcada por suas casas coloniais um tom mais cosmopolita, à moda europeia.
Inaugurado no dia 13 de maio de 1820, o edifício foi inaugurado como a primeira Praça do Comércio do Rio de Janeiro, cidade sede do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves. Apenas quatro anos mais tarde, já no contexto do Brasil independente de Portugal, foi transformado por D. Pedro I em Alfândega, função que exerceria até 1944.
Esta obra de Montigny passou em seguida por diferentes usos, tendo servido até 1952 de depósito para os arquivos do Banco Ítalo-Germânico e ainda, de 1956 a 1978, como sede do II Tribunal do Júri. Apesar de seu tombamento em 1938 pelo Departamento do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (atual IPHAN) o prédio continuou a sofrer com o abandono e a modernização da cidade que crescia ao redor.
Somente em 1984 a atual vocação da Casa França-Brasil começou a ser traçada. O antropólogo Darcy Ribeiro, então Secretário de Estado de Cultura do Rio de Janeiro, combinou recursos brasileiros e franceses no ano seguinte para restaurar a construção e resgatar as linhas arquitetônicas originais projetadas por Montigny. As etapas para a criação do centro cultural e o trabalho de restauração atravessaram a década de 1980.
Em 29 de março de 1990, foi inaugurada a Casa França-Brasil.
Quando as velas reais lusitanas zarparam rumo ao Brasil, em novembro de 1807, não se podia prever a dimensão das transformações que aqui suscitariam. Após uma travessia de menos de seis meses a Corte Lusa desembarcou no Rio de Janeiro, sob forte escolta inglesa, trazendo consigo cerca de quinze mil pessoas – um acréscimo de quase um terço em uma população local estimada em 50 mil pessoas. O Banco do Brasil, o Jardim Botânico e a Biblioteca Real são inaugurados na cidade que se tornava a nova capital portuguesa.
Em 1815 o próprio status colonial do Brasil é alterado: surge então o Reino de Portugal, Brasil e Algarves. Ainda neste mesmo ano, autoridades lusitanas encarregaram o literato Joaquim Lebreton de reunir artistas franceses dispostos a acompanhá-lo ao Brasil para constituir o núcleo de uma Academia de Belas Artes, nos moldes da Academia de Paris. A introdução do pensamento ilustrado na Corte deveria assim acelerar o processo de modernização da cidade.
Em março de 1816, chega ao Rio de Janeiro a Missão Francesa trazendo, entre outros, o pintor Jean-Baptiste Debret e o arquiteto Grandjean de Montigny.
Em 11 de junho de 1819, iniciou-se a construção do prédio que hoje abriga a Casa França-Brasil. Projetado por Montigny, foi criado para sediar a primeira Praça do Comércio da cidade. Em 13 de maio de 1820, aniversário de D. João VI, o edifício foi inaugurado e logo se transformou em um importante centro onde circulavam comerciantes em ascensão, alguns deles com aspirações políticas.
Ao fim das campanhas napoleônicas na Europa, resultando no degredo do general francês na Ilha de Santa Helena, D. João não hesitou em levar consigo a Portugal, além de sua corte real, a riqueza acumulada no próspero período em que esteve na mais rica de suas possessões ultramarinas. Leis rígidas ainda deveriam ser instauradas a fim de garantir rigoroso controle jurídico e financeiro sobre sua colônia.
Outros ventos, porém, sopravam nas costas brasileiras, vindos dos marcantes movimentos liberais culminando na independência norte-americana (1776) e na Revolução Francesa (1789). Assim é que, às vésperas da partida do rei, em 1821, um grupo de comerciantes se reúne na Praça exigindo, entre outras coisas, a promulgação de uma constituição liberal. A ousadia foi gravemente reprimida pelas tropas reais com a invasão do prédio e o ataque a tiros e baionetas, deixando assim ao menos três mortos e inúmeros feridos.
Nos dias que se seguiram, o Paço Imperial levou a cabo uma devassa sem precedentes na colônia, buscando os responsáveis sem trégua. Em protesto, os comerciantes abandonaram a Praça e afixaram uma faixa dando-lhe um novo nome: Açougue dos Bragança. Pouco se sabe daí em diante dos desdobramentos do episódio, devidamente abafado pela corte portuguesa. Guardou, no entanto, a fama de ter sido a primeira revolução liberal do Rio de Janeiro.
O prédio foi fechado, reabrindo posteriormente para sediar a Alfândega.
Apesar da forte repressão à manifestação na Praça, os ideais que a inspiraram já pareciam irreversivelmente firmados em boa parte da população. Apenas um ano mais tarde, pressionado a uma só vez por exigências da política interna e externa, D. Pedro I declarou a independência do Brasil.
O imperador tratou tão logo de dar uma função ao prédio, incorporando-o, em 1824, à Alfândega. O desígnio oficial da nova função do prédio deveria evitar qualquer nova insurgência no local, ainda marcado pela revolta dos comerciantes.
Algumas adaptações foram feitas, entretanto, para restringir os acessos ao prédio. Principal ponto de passagem e escoamento das riquezas do Império, o local deveria apresentar um caráter mais reservado do que a antiga Praça.
Em 1852 iniciam-se novas obras de remodelação da Alfândega, sob a orientação do brasileiro André Rebouças e projeto do arquiteto português Raphael de Castro.
Depois de ser o centro de comércio da cidade, o espaço tornava a ser um local de intercâmbio comercial, centralizando o fluxo de mercadorias que chegavam ou partiam para o exterior. O porto do Rio era à época o principal exportador da América do Sul, recebendo também os metais, vinhos, móveis, tapeçarias e todo tipo de artigo de luxo destinado à realeza local. Com a inauguração do porto de Santos e o aumento da produção de café no interior paulista, durante o Segundo Reinado, diminuiu consideravelmente a importância econômica da Alfândega do Rio de Janeiro. Esta funcionou ainda no prédio de Montigny até 1944, quando mudou-se finalmente para um novo prédio na rua Rodrigues Alves, Centro do Rio de Janeiro.
O reconhecimento do valor artístico e cultural do prédio pelo D.P.H.A.N. (atual IPHAN) se dá em 1938, quando se realizou um dos primeiros tombamentos registrados do Rio de Janeiro. Além de conotar literalmente a queda de algo, o tombamento também denota a realização de registro e inventário de bens que, segundo critérios históricos e artísticos, devem ser cuidados.
O tombamento é a primeira ação a ser tomada para a preservação dos bens culturais, na medida que impede legalmente a sua destruição. No entanto, a preservação somente torna-se visível para todos quando um bem cultural encontra-se em bom estado de conservação, propiciando sua plena utilização. Este ainda não foi o caso do edifício de Montigny; contraditoriamente, após o tombamento e a mudança da Alfândega, o espaço foi usado como depósito dos arquivos dos bancos Ítalo-Germânicos até 1952, e agonizou em péssimo estado de conservação, solicitando reformas urgentes para não ir abaixo.
Felizmente, as obras foram realizadas a tempo e, depois de anos sem função, a obra de Grandjean de Montigny passou a abrigar, entre 1956 a 1978, o II Tribunal do Júri.
A partir de então o prédio foi vistoriado com mais frequência, sofrendo pequenas reformas esporádicas. No entanto, ainda não conheceu a paz, tendo sua existência questionada por diversos urbanistas. Entre eles, o eminente projetista de Brasília, ao lado de Oscar Niemeyer, Lúcio Costa, que chegou a solicitar a demolição da obra de Montigny para construção de um anexo de um prédio vizinho.
Mais tarde, as obras na construção do contíguo Viaduto da Perimetral e o subsequente tráfego pesado abalaram seriamente suas estruturas, causando fendas internas e externas, infiltrações e outros comprometimentos estruturais. Novas obras de escoramento, concluídas em 1979, tiraram o prédio de perigo, mas não resolveram seu problema de abandono.
No início da década de 1980, surgiram as primeiras ideias relativas ao aproveitamento cultural do prédio em questão. Foi neste mesmo período que o IPHAN realizou uma das reformas mais completas da história deste prédio, o que só fez aumentar o interesse pelo espaço. Várias propostas foram feitas até que, em 1984, Darcy Ribeiro, então Secretário de Cultura do Estado, articulou com o Ministro da Cultura da França, Jack Lang, o início das conversas para a restauração do prédio e a implantação de um centro cultural, destinado ao intercâmbio cultural entre Brasil e França.
O Estado do Rio de Janeiro, proprietário do imóvel, realizou o projeto de restauração e coordenou a aplicação dos recursos iniciais da Rhodia S/A, repassados e administrados pela Fundação Roberto Marinho. O Governo Federal contribuiu ainda com recursos financeiros repassados à Fundação Nacional Pró-Memória, a qual foi entregue a execução do restauro arquitetônico.
A partir das plantas de Grandjean de Montigny, foram restabelecidas as linhas originais do prédio, com a remoção de 80% da estrutura de madeira, que estava comprometida pela ação de cupins e fungos. A estabilidade do prédio foi garantida por um reforço de concreto e aço. As pesquisas revelaram, ainda, um desnível de mais de um metro e meio em relação ao nível do solo, em torno da edificação. Foi descoberto também, o cais onde atracou a comitiva de D. João VI, quando de sua visita à Praça do Comércio, em 1820. Do cais, manteve-se, como testemunho, a rampa de acesso localizada ao fundo do prédio.
O piso original foi preservado e, em alguns pontos deteriorados, foram aplicadas placas de granito. Das 24 colunas em estilo dórico, 14 receberam tratamento de concreto, mantendo a mesma aparência externa. A claraboia de vidro foi reproduzida segundo as indicações do projeto original de Grandjean de Montigny.
Os trabalhos de restauração revelaram o acúmulo de sete camadas de pintura na parte interna da casa, que foram raspadas até retornarem à coloração original, uma tonalidade marfim/ocre. Duas colunas ao fundo da casa permaneceram como testemunho da pintura feita na época, buscando os efeitos de peças em mármore.
As obras de restauração foram conduzidas pela SPHAN/Pró-Memória, com uma equipe de 30 técnicos e arquitetos, restauradores, arqueólogos e engenheiros, com apoio da equipe de arquitetos da Fundação Roberto Marinho, e um contingente de 40 operários.
Em 1989, o projeto de utilização do espaço idealizado pelo museólogo francês Pierre Catel e pela equipe brasileira toma sua forma definitiva: a Casa França- Brasil como um espaço para múltiplas atividades culturais.
Entre 1990 e 2008, a Casa França-Brasil desenvolveu uma programação eclética, com exposições de temas variados e artistas consagrados, modernos e contemporâneos, como Juan Miró, Glauco Rodrigues, Antonio Henrique Amaral, e Niki de Saint Phalle. A partir de 2008, após um amplo processo de obras estruturais e de restauração, a Casa França-Brasil assumiu nova missão institucional e linha curatorial, focadas na arte e cultura contemporâneas.